Especial

Abandonada
O casamento dela já não ia muito bem, com a certeza de adultério, a coitada já não encontrava forças pra segurar o marido. Tudo piorou depois que ele conseguiu um emprego novo numa empresa de serviços: mais dinheiro, mais mulheres. Ela desejou, muitas vezes, voltar a ser mais pobre, lá no tempo em que tudo tinha um pouco menos de traição. Agora a infeliz mal podia chegar perto do Adalberto, qualquer tentativa de carinho resultava num “Sai pra lá!” grosseiro, realmente tudo estava sem amor. Na cama era só pra dormir. Por raras vezes, na altura do décimo quinto ano de casamento, é que o marido ia lá fazer uma caridade à pobre da Janice, de luz apagada, depois de secar um vinho barato e apagar seu velho Derby. Não havia mais calores como na época do namoro, quando ela andava com as amigas, vestindo mini-saia e balançando o cabelo pintado de loiro, pelos bares do bairro.

Foi num desses passeios da Janice, que nos anos 90 usava o nome falso de “Érica”, que surgiu de repente um moço falante, de bigode longo e que não gostava das festinhas do momento. Homem perfeito, era até de família crente, tinha um irmão pastor. A calvície dos seus 25 anos lhe deixava até mais maduro, com cara de homem sério, tinha cara de pai. A mãe apoiou, o pai ficou contra o namoro:

- Esse bicho só tem cara de sonso.
- Ô pai-ê, eu gosto dele.

Passou quase 3 anos enrolando a menina, que nesse tempo já havia se aquietado, toda mudada pelo namorado Adalberto. Nada de roupa curta, o cabelo louro ele deixou, mas festinha todo fim-de-semana não mais e a mãe concordava:

- Respeite seu noivo, menina!

Fez tudo que queria com a garota antes de jurar amor eterno e incondicional na frente do padre. Amava, lá no começo amava, talvez... Dentro de um pequeno apartamento que eles alugaram no bairro do Siqueira, próximo ao rio, foi que o Adalberto começou a mudar, uns telefonemas suspeitos, umas constantes horas extras, e de repente o homem tava chegando em casa morto de bêbado na manhã dos domingos cristãos. Ano após ano o Adalberto foi se tornando outro homem, mais careca e mais mulherengo, dado a farras intermináveis que levavam embora boa parte dos rendimentos da família. A pobre da Janice passava o dia todo em casa se lamentando, ora ligava para a mãe, ora choramingava pelos cantos querendo o Adalberto, nada dele chegar, virou costume.

Outra madrugada de sábado morrendo numa manhã de domingo e lá vinha o Adalberto: acabado de bêbado. A coitada da Janice, com os olhos avermelhados do mau sono e da choradeira, descarregava um monte de gritos em cima do miserável.

- Agora, Adalberto?!
- Vai dormir, doida véia!
- Tu tá pensando o que da tua vida, Adalberto, tu gasta o dinheiro todim da gente cum rapariga, é?
- Que rapariga, sua doida? Tem rapariga, não!

Os vizinhos já estavam acostumados com essa rotina de brigas, o roteiro do casal já era conhecido: ele chegava de manhã, bêbado, e ela brigava com ele; depois ela começava a falar mais baixinho e ria, era ele agarrando ela na cozinha, depois daí os dois se calavam e não brigavam mais.

O Adalberto já não agüentava mais, era estragado, não sabia o que queria, o único filho que o casal teve, um menino, foi se embora pra morar com os avós. Depois disso o Adalberto decidiu largar a mulher após quase 18 anos de relacionamento.

- Pois vá, seu safado, vá morar cum as rapariga! Volte mais não!

E não voltou. Passaram-se semanas e ela mirando a rua pela velha janela do apartamento. Nada do Adalberto voltar pra casa, nenhum telefonema, nenhuma notícia. Ela começou a se desesperar, inventava de beber pra tentar se consolar, mas tudo que conseguiu foi aumentar a saudade torturante e uns calores que lhe atacavam o corpo, da falta que fazia o marido em casa. Um dia saiu correndo escada abaixo no prédio onde morava, totalmente embriagada, gritando e chorando, toda nua. Pobre da Janice, destruída pelo sofrimento e aumento de peso, tornada numa mulher muita mais velha, como se tivesse bem mais do que meros 35 anos. Correu pelas escadas assanhando os cabelos, nua, branca e gorda, sem noção do que fazia. Os moradores se assustaram e, com lençóis de todo tipo, socorreram a infeliz.

Continuava a beber, sozinha e cheia de calores, não se agüentava mais, gritava querendo o marido de volta e ele não voltava. Em poucos meses sua sanidade lhe havia abandonado, nada jovem, nada sadia, beleza nenhuma. Tudo que restou foi uma mulher solitária, apelidada pelos moleques do condomínio de “baleia tarada”, depois que ela começou a gritar no prédio que precisava loucamente de um homem.

- Tem macho aí não? Quem quiser é só vir comê! É só vir!

Não vinha ninguém.

3 comentários:

boO disse...

jHoiuhkjhJhIhKjh

"baleia tarada", e eu costumava apelidar o povo assim tmb!

kkkkkkkkkkkkkkkk

arghlemonster disse...

ha, a mais pura realidade. Nas igrejas há quem coma, e se lambuze.

Sessyllya ayllysseS disse...

A sensibilidade da personagem Janice é a marca desse texto. É o primeiro texto seu (dos que eu já li) que fala de solidão dessa maneira assim forte...

Triste e belo...
Muitos parabéns!!!