Especial

Rocheli

À tardinha, depois da escola, Rocheli ia jogar videogame ali perto de casa, pagava uma hora na locadora, o resto era por conta dos bestas, babando pela garota. Todos a queriam e ela não queria ninguém. Sem sutiã, ela aproveitava o vago ambiente da locadora pra apertar a blusinha de algodão contra os mamilos salientes: baba molecada. Ficava de bobeira na entrada da casa das amigas, encostada no portão em forma de grade, fazia um quatro pra se apoiar, como os malandros nos muros da esquina, com um pé no chão e outro na parede. Gesticulava muito quando conversava. Onde ela estava sempre havia meninos, doze ou treze anos, todos tarados pela Rocheli. De costas ela vacilava e como era de costume um deles dava uma dedada na coitada. Rocheli corria desembestada atrás dos safados, dava uns tapas, torcia os dedos dos infelizes, tudo pra salvar a moral, mas ela bem que gostava, lá no fundo ela gostava. Saía na rua empinando a bunda, vestindo um chortinho de lycra azul, todo colado. Andava de barriga de fora e decote farto. Tinha uns 14 anos, mas já tinha corpo de mulher, só a cabeça avoada é que era de piveta. Fazia a festa dos garotos quando ela formava uma fila inteira de meninos loucos por ela, lá no beco da padaria Alencar. E não ficava só nos beijinhos não, de mão em mão ela dava e recebia uns amassos improvisados, nada muito elaborado, eram só garotos medrosos, apressados pelos “vambora-vambora” uns dos outros. Mas ela deixava passar a mão aonde quisessem. A sem-vergonha adorava ver aquela fila de pivete se alongando por causa dela.
Rocheli estudava perto do centro, voltava de ônibus lotado todo dia, foi onde ela descobriu as “pinadas”, se acostumou. Depois de um tempo não usava mais a mochila nas costas pra não atrapalhar a investida dos rapazes gaiatos e ela mesma se metia na frente de um deles se o achasse mais bonito, forçava, não tinha jeito, o negócio era apertar a Rocheli ali mesmo, com todo mundo olhando. Pois ela nem ligava se o ônibus estava cheio ou vago. Falaram pra mãe dela sobre a história das pinadas, levou uns gritos da velha e uma surra-bem-dada do pai, lá no quintal. Era só mais uma. Afinal, todas as marmotas de Rocheli resultavam numa dessas surras de corda de nylon dobrada. Seu pai guardava essa corda desde o tempo da danação da irmã mais velha, namoradeira, que ele diz ter endireitado na base das chicotadas, depois que a rua inteira ficou sabendo como foi que ela perdeu o cabaço em cima de um caminhão velho. E com Rocheli, o pai disse que seria o mesmo remédio. Só que porrada não conserta gente ruim, pode até tirar arrocho de malandro, mas não transforma menina de fundo quente em santa de altar. A irmã dela só se aquietou porque pegou um bucho de um pilantra do bairro, seis anos mais velho que ela.
Foi quando Rocheli largou de vez as bonecas e os lençóis de ursinho que a pobre da Leonice, mãe dela, teve mais dor de cabeça com a menina. Leonice ficou sabendo pelos vizinhos que a filha tava gazeando aula quase todo dia. Andava diferente, nem no videogame ela ia mais. Ficava trancada no quarto muito mais tempo que de costume e quando ouvia forró não dançava mais, se requebrando toda. Cadê o balançado da bunda? A mãe e a irmã estranhavam o comportamento da menina por ter aparecido um belo dia cobrindo os peitos, largara os decotes sensuais por blusinhas mais fechadas, mantinha os braços cruzados enquanto falava, amassava os peitos de vez em quando pra escondê-los. Isso não era pelo tamanho, feito menina que tem vergonha de ter os peitos grandes. Ela os escondia pra mãe não perceber as marcas escuras na pele dos seios, deixadas por uma boca bem tarada. Quem deixou tais marcas de chupada foi um sujeito casado, um cobrador da linha do Henrique Jorge, pai de dois filhos tidos com uma neguinha ciumenta pra caramba, que certamente quebraria a pobre da Rocheli em duas depois de maltratar-lhe os beiços, o nariz, os curtos cabelos lisos, se descobrisse a traição. Não demorou muito e a fofoqueira da Nair, que era o cão pra saber da vida alheia, contou tudo pra Leonice, que em desespero abordou a filha:

- Rocheli, tu é doida, minha filha? Se essa mulher descobre, ela vem parar aqui pra te pegar! Meu Deus do céu, eu num criei você pra ser rapariga não, menina. Larga esse homem, Rocheli.

E Rocheli só ficou nas lágrimas, apaixonada por aquele cobrador. Ouviu a mãe e levou um tapa, continuou calada, só chorou. Leonice tentou se segurar, ela conteve-se durante aqueles dias e nada contou pro marido. Se ele soubesse, a desgraça tava feita: uma surra colossal e depois uma viagem. Ela não queria a filha longe, amava demais a menina, cujo pai certamente mandaria à Ibiapaba, pra ficar com as tias que a garota tanto detestava. Mantiveram o segredo.
Rocheli era realmente linda. Ela era branca, altura mediana, o nariz afilado, cabelos muito pretos, um rosto rosado que a deixava ainda mais sensual, os olhos castanho-claros combinavam bem com o sorriso. O corpo nem se fala, era menina-mulher que desfilava na rua e deixava os homens todos lhe mirando. Sempre de roupa coladinha, Rocheli deixou o cobrador Aírton obcecado por ela. Ligava pra menina todo santo dia. No celular da Rocheli diversas mensagens dele, apaixonado, dizendo que largaria a mulher pra ficar com ela. Não deu outra, Rocheli se entregou a esse homem e viveu essa relação proibida, até o dia em que seu pai descobriu tudo. Pegou a besta falando com o Airton ao telefone, ele ouviu tudo pela extensão. Fez o maior bafafá. Pressionou todo mundo, pôs a mãe e a irmã Gabriele na parede e as fez confessarem o caso. Inevitavelmente Rocheli tomou mais uma surra, por sorte não foi colossal, o velho já tava era cansado de dar na menina. Bater não adiantava mais. Quase enlouqueceu.
Numa sexta-feira, quando a garota chegara mais cedo em casa, da escola, Leonice e a filha mais velha receberam a pobre da Rocheli com um suco de laranja recém pronto:

- Bebe, menina, tu tava espirrando ontem. Bebe!
- Bebe, menina. Obedece à mãe.

E ela ingenuamente bebeu. Ingeriu uma porção traiçoeira, feita com um pouco d’água e o pó de um comprimido de Lexotan, misturada aquele suco. Gabriele convidou docemente a irmã pra se deitar em seu colo, pedindo pra pentear lhe o cabelo. Rocheli aceitou o convite amigável e pôs-se jogada no chão, com a face de encontro ao regalo da irmã, que sentada ao sofá movia cuidadosamente, pra cima e pra baixo, uma grande escova de plástico. Foram só alguns minutos desta cena e logo Rocheli adormeceu descuidada, tal qual fizera Sansão nos braços de Dalila, sem saber que duro golpe lhe aguardava. Quando a menina caiu no sono a mãe veio correndo afim de executar a segunda parte de seu plano, nascido de uma esperança quase extinta: cortar todo o cabelo de Rocheli. Deitaram aquela criança num tapete da sala e com uma grande tesoura de costura Leonice destruía a aparência da filha, enquanto Gabriele segurava aquele corpo dormente. De pernas e braços lânguidos, pálpebras semi-abertas, Rocheli estava além da capacidade de salvar-se, os lábios mudos da boca entreaberta haviam sido desprovidos da antiga sensualidade, pareciam agora entregues á falta de vida, pálidos e desprezíveis. Leonice cortou a maior parte do cabelo dela, então rápida alcançou uma máquina elétrica que usou pra raspar completamente a cabeça de sua criança.
Foi um entardecer melancólico, seguido de um anoitecer emudecido, de um silêncio gelado, profundo e constante, que durou até a hora do despertar de Rocheli. Ela acordara tão confusa, lá pelas nove da noite, a luz do quarto apagada lhe trazia a idéia de um lugar estranho a sua volta. Os pés frios tateavam o tapetinho de retalhos em busca dos chinelos fugitivos, os alcançou. Sentiu-se diferente, ainda de corpo dormente, sentiu frio e caminhou até o banheiro, despercebida pelas mulheres da casa. O silêncio ainda reinava pretensioso, seguro de seu lugar no trono, quando um choro tão sofrido ecoou naquela casa. Aos gritos Rocheli expressava horrivelmente a sua dor. As lágrimas não cessavam e desesperada a menina arranhava o próprio rosto. Dor e revolta lhe fizeram sentir que tudo aquilo na era real, não conseguiu suportar tal situação, olhar pra si mesma e encontra outra pessoa, deformada, sem os cabelos. Quebrou o espelho com os punhos e fez sangrar a própria carne. Leonice correu ao encontro da menina e arrependeu-se dolorosamente naquele instante, quando entrou no banheiro e viu outra imagem de sua filha. Aquela no chão de forma nenhuma era Rocheli.
Deitada em sua cama, um pouco depois do choque, Rocheli se lembrou da vez que entrou numa igrejinha de crentes, atendendo ao chamado de uma vizinha, e o pastor dizia algo sobre o choro durar uma noite inteira, mas cessar ao amanhecer quando alegria finalmente chega. Então se acalmou e permaneceu num choro mais suave. Meditava apenas a respeito do tempo que levaria pra ela ser a mesma pessoa novamente. No dia seguinte a tanta tristeza, o celular dela tocou e era quem ela esperava, o homem casado que ela enlouquecida amava. Os dias se passaram lentamente é claro, mais passaram. E pouco tempo depois, rocheli roubou da irmã um lenço de seda todo pintado. Tomou banho, arrumou-se, cobriu a cabeça, juntou algumas roupas e vingou-se da família, depois que todos de casa beberam da água que ela pôs na geladeira, tão enfeitiçada quanto o truque contra ela usado. Dormiram dopados e Rocheli fugiu. Foi se esconder com Aírton numa kitinete no centro da cidade, aonde ela jurava à si mesma ser feliz. Três meses depois Leonice amargurada cruzou com a filha próximo à Praça do Ferreira, correu e gritou pelo nome dela, que de imediato não ouviu. Correu um pouco mais e foi alcançá-la já em frente ao São Luiz. Na porta do cinema elas se abraçaram. Mil desculpas, entre lágrimas e beijos, a mãe pediu à filha, que também chorou copiosamente. Conversaram ali num banco vago:

- Volta pra casa, meu bem.
- Mãe não dá. Eu...
- Por que, Rocheli? Volta.
- Eu tô com o Aírton, ele largou a mulher. A mulher dele agora sou eu.
- Não tem mais perigo, minha filha.
- Tem não, mãe. Ela aceitou se separar dele, ficou com a casa e os meninos.
- E você, meu amor? Não vai mais pra escola, não? Eu pago.
- Vou, mãe. Vou voltar, se a senhora quiser pagar eu volto. Porque eu to trabalhando com a irmã dele, numa lojinha aqui perto, mas eu ganho bem pouquinho. É só pra ajudar em casa.
- E vocês tão vivendo aonde, Rocheli?
- Perto daqui. Numa casa agora, agente acabou de se mudar pra lá. A senhora quer ir lá?
- Pois vamo, meu amor.

Conversaram a tarde inteira na casa nova e voltaram a ser amigas novamente. Tudo se concertou, porque apesar de qualquer coisa, Rocheli sempre teve um bom coração. Conquistou com ele o pai de volta, depois de uns meses de fracassadas tentativas. Ele acabou deixando a menina ir lá com o marido fazer uma visita. Perdoou também a irmã Gabriele e juntas planejaram um almoço no domingo seguinte, sem mais remédios pra dormir. Riram-se e puderam ser felizes outra vez.

3 comentários:

Unknown disse...

Muito interessante?? É real??

Posso dizer que essa historia passa muitos sentimentos diferente para quem está lendo...

Senti raiva , pena, nojo, e felicidade pela Rocheli.

Eita menina danada ;)

beijos

ppp disse...

ei cara vc esta se superando em tá de parabéns seu Blog ta muito bom o caso do loucura de amor termina em briga nem se fala.

falow velho amigo parabéns pelo sucesso.

Anônimo disse...

rapaz...fico impressionado com essa tua capacidade criativa....fora o numero de informantes que tu deve ter pra conseguir só as melhores noticias...rs tá q é o leão lobo...rs
abração P. Joy!