Especial

De Madrugada
Uns espirros sucessivos acordaram o pobre do João, por volta das quatro da madrugada. O coitado sofria há muito tempo com a renite alérgica, agravada pela casa empoeirada, revistas velhas e um clima tão indeciso quanto mulher nova. Acordou atordoado naquela noite, parecia que o sono era pequeno pra fazê-lo voltar a dormir, grande demais pra deixá-lo andar direito. João se levantou, caminhou até o banheiro, irritando os olhos ao acender as luzes da casa, com a impressão de que cada lugar se distorcia sempre que ele voltava o olhar para um ponto diferente.
A fome dos que se acordam de madrugada é puramente animal, sem vaidades, ou minúcias: é apenas vontade de comer. Umas quatro bananas que amadureciam na velha cesta de plástico sobre a mesa, assediadas por insetos minúsculos, voadores, foram as primeiras vítimas daquele rapaz, um garoto de quase dezessete. Abriu a geladeira e tomou o que pode da caixa de leite, ainda tonto, quase não acordado. Dirigiu-se à pia da cozinha, abriu a torneira e deixou a água cair, pesada, forte, batendo no alumínio da pia, enquanto molhava devagar o rosto. Em tudo fez barulho, no arrastar da chinela, ao tropeçar numa cadeira à toa, ao assoar o nariz.
Quase dezessete anos, quase quatro horas da madrugada e, depois do rosto lavado, o sono de há pouco dera lugar a costumeira tara da idade: lembrara dos filmes pornôs. Caminhou até a sala da casa, tentando não fazer barulho, estava incerto, temeroso, achando que os passos descuidados de antes teriam, talvez, acordado sua mãe, cujo típico roncado ele não ouvia mais naquele instante. Chegou com êxito à estante da sala, onde, numa gavetinha qualquer, estavam os benditos filmes, que um amigo nunca mais pedira de volta.
A casa de João era pequena, paredes finas, ecos que denunciavam as atitudes noturnas, ampliados pela autoridade pesada de sua mãe intolerante. A esperança dele era o sono forte da família, principalmente o da mãe, pois o acordar dela seria, certamente, o mais prejudicial às investidas libidinosas do rapaz. Cauteloso, ele apertou o botão de ligar no controle remoto, rezando para que a TV não ficasse emitindo o zumbido estranho de sempre, defeito originado por umas gotas de água que, acidentalmente, respingaram prejudicando o aparelho. O fundo azul da televisão surgiu, e com ele o zumbido inevitável. Felizmente o próximo passo era menos temido, já que o DVD havia sido comprado há poucos meses, seu funcionamento ainda era pleno, o problema eram as pilhas, que ele tomava emprestadas do controle da TV. Assim, de posse apenas de um controle remoto, João inseriu o disco e se preparou, com todo o desejo que lhe restara na madrugada, apesar dos pequenos contratempos.
Os primeiros lances começaram, quando a triz americana surgiu, insinuante, voluptuosa, com tatuagens coloridas e excitantes marcas de biquíni, ela fazia gestos tentadores no cenário de uma sala de estar. O garoto assistia atento, se tocava, como todos os garotos sabem fazer, mirando o corpo da atriz, que era despido aos poucos, e ela, com um olhar atraente, direto ao expectador, provocava. João mantinha o ritmo, esticado no sofá, ele cobria-se com o lençol, na outra mão o controle do DVD:
- Se alguém se acordar eu aperto o stop.
Imerso no silêncio que se estabeleceu, João decidiu aumentar um pouco mais o volume do filme, pra dar mais realismo ao momento, para buscar mais emoção no ato. Foi quando o parceiro da atriz, sujeito com tatuagens bizarras e cara de uns trinta e tantos, surgiu na cena. João ia se sentindo desconfortável, à medida que o homem se fazia mais presente na cena, o rapaz se sentia meio criminoso e lhe assustava a ideia de alguém lhe flagrar daquele jeito: coberto pelo lençol e assistindo a filmes pornôs. João sentiu medo. Ainda mais quando um barulho rompeu o silêncio: um estalo vindo de alguma cama. Nesse instante o jovem teve a certeza de alguém se acordava lá dentro. Foi quando ele ouviu a voz de sua mãe:
- Vai dormir, João.

2 comentários:

Ciro disse...

Rapaz, juro que o homem que apareceu na cena ia começar a falar com o João, heheheheh!!!

Assistir filme pornô na sala de madrugada, com a família dormindo! Quem nunca fez isso??

Sessyllya ayllysseS disse...

Os pais aterrorizam a vida da gente, né?! Quanta repressão e recalque não seriam oriundos daí?!

Filme pornô eu não via não, mas gostava de ler livros eróticos e sempre era uma aventura tentar fazer isso escondido da minha mãe...

Affff... rsrsrs...