Especial

Ovos Mexidos
Era mais um último domingo do mês, quando a passagem de ônibus custa apenas um real. Naquele dia Lucinha aproveitou e levou a pequena Adelaide pra tomar um pouco de sol perto do mar. Divertiam-se muito, mãe e filha na praia do Náutico. A parte ruim do programa era justamente a volta pra casa. Era péssima apenas a idéia de ter que compartilhar o ônibus com aquele bando de gente suja de areia da praia, que trazia pra dentro do coletivo um cheiro insuportável de cachaça misturado com o perfume de bronzeador barato e odor de picolé de morango. Andaram um pouco até a parada e esperaram por um Parangaba/Náutico. Não demorou muito e lá vinha um deles: lataria azul-claro e vidro fumê. Parou metros adiante de onde estavam Lucinha e a pequena filha, as duas tiveram que correr junto com outras tantas pessoas que ali estavam. Um grande alvoroço na porta traseira que tentava suportar tanta gente. Eram moleques gritando e velhos tropeçando. Havia um vendedor de água com seu isopor nos ombros no meio de mães queimadas de tanto sol, castigando com tapas suas crianças mal-cuidadas. Todos eles assustavam Adelaide.

Frenéticos estavam o movimento e o burburinho dentro do coletivo. Um tanto atormentado, o pobre do cobrador recebia as passagens na maior das velocidades, no entanto, aquele povo atrás da roleta não se acabava. E tantos banhistas lotavam o Parangaba/Náutico. Lucinha conseguiu passar em paz pela catraca e fez Adelaide passar por baixo, sentaram as duas lá pelo meio do ônibus, numa cadeira que comportou uma mamãe e sua filha no colo.

Foi numa parada logo adiante, bem depois de onde Lucinha subiu com a Dedê, ainda pertinho do mar, que subiram outras pessoas. Ente elas estava um homem já na faixa dos 50, trajando uma bermuda jeans, havaianas destruídas, uma blusa de botão aberta no peito. Ele tinha mais pelo no queixo do que na cabeça. Aquele homem era tão comum quanto qualquer outro ali dentro, apesar da barriga enorme que se projetava por entre os passageiros a subirem mais rápidos do que ele, deixando o coitado pra trás, foi o último a subir. E aí foi seu desespero. No meio de tanto barulho e lotação ninguém percebeu que aquele pobre homem ficara preso na porta. Gritou por socorro, mas sua voz foi sufocada pelo barulho. Ficou com seu infeliz destino entregue à indiferença. Revoltado, aquele pobre senhor tentou se libertar da porta que o oprimia severamente, deixou cair, no meio da aflição, os pertences que trazia nas mãos. Torturado, ele arranjou forças para gritar e pedir socorro. Nos primeiros gritos daquele homem Lucinha conseguia distinguir o que suas sofridas palavras diziam, foi então que ela tapou os ouvidos da Dedê e disse pra ela ficar quietinha. E o homem continuava a implorar por socorro, enquanto a multidão a lotar o ambiente ria-se de sua cômica desgraça, calaram-se um pouco mais no instante em que o ônibus parou num sinal vermelho e assim foi possível compreender um distorcido grito naquele abafado lugar: MOTORISTA, abre aporta, que ta esmagando os meus ovos. E todos voltaram a rir do coitado.

8 comentários:

Ciro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ciro disse...

Hahahahahhaha!!! Pobre homem! Gostei, Jorge! O jeito q descreve as cenas... parecia até q eu tava lá dentro do onibus também, sujo de areia!

Unknown disse...

caralho jorge!
como nossa cultura eh paia viu
rir da desgraça alheia
eh uma merda mesmo

Carlos Filho disse...

Putz...me deu uma agonia aqui do pobre senhor gritar e ninguém o ouvir...hehehehe
Como disse o amigo Ciro, me imaginei lá tb, sujo de areia, mas ao contrario acho que não ia rir de tal situação...Uuurghhh!

Unknown disse...

Não posso nem imaginar a dor que o coitado sentia, mas fiquei com pena dele... Aff, niguem para ajudar??

Mas que foi engraçado foi, se eu estivesse nesse onibus(graças a Deus nem de praia eu gosto)eu teria tentado ajudar ao coitado. O que não quer dizer que deixaria de achar engraçado... rsrs.

;)

arghlemonster disse...

...blusa aberta no peito é o must do BREGAZORD STYLE, também complementado com uma bela estrela de davi em corrente de ½ polegada. Tudo do mais puro michelin 18k com bigode de trapézio a la CHRIS CORNELL.

O pior disso tudo é que não rola gratuidade nos casos de bolas presas na porta do BURZUM. Taí um bom projeto de lei na câmara municipal.

Gente com criança chorando deveria ser banida do ônibus de imediato, simplismente não tolero esse tipo de minoria.

Sessyllya ayllysseS disse...

Penso que esse texto é que nem as músicas do Skylab: não foram escritas com o intuito de fazer rir, mas acabam fazendo, pelo modo como as seqüências são descritas.

É interessante notar que um caso corriqueiro, banal e vulgar como "voltar da praia de busão" (que faz parte da rotina das pessoas menos favorecidas e, por isso, carrega um estigma bastante caricato) acaba se tornando um caso particular e único (portanto, inesquecível) na vida de todos os que presenciaram a cena - especialmente a vítima cujos ovos ficaram mexidos.

Rir é inevitável. Mas e se estivéssemos no lugar do cara?

boO disse...

JHkuHkjhKuhkJhKUhkJhkiHjkuh

"bando de gente suja de areia da praia,um cheiro insuportável de cachaça misturado com o perfume de bronzeador barato e odor de picolé de morango"

soh faltou: com as mãos preguentas de raspadinha!

hjkhkuhkjHKiuhjhKjHkUH

ótimO!