Especial

Olha o doído!

Os loucos são criaturas no mínimo estranhas. Despertam n’agente uma sensação bem curiosa. Lembro-me dos tempos de criança quando um grupo de garotos se reunia a espera de um “louquim” passar, só pra irritá-lo com um apelido esdrúxulo que fosse. Agente morria de medo, mas não deixava o coitado passar sem frescar com a cara dele. Bom exemplo de tal pirraça era a perambulagem do finado “mêi-pão”, que vagava muito pelas redondezas sempre maltrapilho e desorientado. Todos os garotos escondidos esperavam ele passar e de repente gritavam juntos: mêi-pão! E saiam correndo, fugindo do bravo mêi-pão, que perseguia os moleques à torta e à direita. Ele não suportava ser chamado por seu apelido mais famoso. Característica essa que se aplica a grande maioria dos loucos que eu vi na vida. Eles não suportam essa brincadeira. Enlouquecem no mesmo instante. Literalmente!
Tinha um louco que passava todas as noites, perto da minha casa, com uns livros debaixo do braço e falando alto como se estivesse discutindo com alguém ao seu lado. Como ninguém sabia seu apelido ninguém fazia hora com ele. Diziam que ele tinha ficado louco de tanto estudar. Ora pois, pois: o cara já era louco e não sabia. Estudar só fez ajudar a loucura a se acordar.
Essas pessoas faziam a alegria da pivetada, que se divertia fugindo dos loucos. Um deles se vestia com uma espécie de tapete feito de retalhos de lycra e rodava as ruas do bairro movido por seus devaneios. Era um velho de cabeça branca, que fumava numa quenga se alguém gritasse: eu vi tua mulher lá na beira da lagoa! Este homem ficava doido e corria atrás de quem tinha gritado. Eu sempre o via no carnaval e acho que ele era mesmo louco de ciúme, só pode, pra não suportar ouvir falar nos passeios da mulher. Teve um outro que fumou tanta da maconha e encheu tanto a cara de cachaça que perdeu por um bom tempo o juízo que tinha. Era um louco temporário, que comoveu uns crentes dispostos a salvá-lo e levá-lo para a igreja. Movidos pela vontade de salvar aquela pobre alma perturbada os crentes lhe deram uma bíblia, para que ele, em casa, pudesse se alimentar da santa palavra. Entretanto algo de pior aconteceu. Um efeito colateral em forma de dom supremo: a visão do futuro! Naquela mesma época ele ficou conhecido como o profeta e anunciou bons e maus presságios na vizinhança. Andava berrando, de um lado ao outro da rua, profecias sobre todos ao seu redor. Dizia também que muito poderoso e que já não sabia mais o que fazer com tanto poder.
Vamos a história de Valtinho, um capitulo à parte na historia desses loucos. Desde pequeno era chato, brigão, não obedecia a ninguém e só dava trabalho pras tias na escolhinha da Igreja Universal. Andava sempre com um enorme boneco do Guille, dos Street Fighters, metido no bolso da calça. Volta e meia lá estava Valtinho escondido próximo ao altar da igreja esperando o pastor encerrar a reunião (evento como a missa, em outras igrejas é conhecido por “culto”). Quando o danado via o pastor largando o microfone ainda ligado em cima do púlpito, subia correndo tentando pegar o microfone e começava a gritar alto pra cacete. Depois fugia rindo por entre os pastores que tentavam pegá-lo. A igreja assustada com a molecagem do Valter assistida a tudo ainda nos bancos quentes. A pobre da mãe dele, dona Mundinha, era só dor de cabeça com aquela criatura sem juízo.
Tempos depois, quando eu trabalhava no shopping Aldeota, vi Valtinho vestido feito um lutador de Boxe Tailandês: Tiara de pano ao redor da cabeça raspada e calção preto bem curto. Além disso estava descalço e sujo. Trazia numa mão uma garrafa d’água e na outra uma flanela. Dizia ele que ia lavar carros. Parou em frente a entrada do shopping, pela praça Portugal, e ao me reconhecer chamou pelo nome do meu irmão. Respondi o cumprimento por que ao final de contas pelo menos ele lembrava de um de nós dois. Valtinho se aproximou de um funcionário que trabalhava na segurança e perguntou:
- Hei cara, tem um vale ai que me empreste?
- Você quer ir pra onde? Perguntou de volta o guarda.
- É que eu to juntando pra viajar. Disse Valtinho.
- Viajar pra onde, macho?
- Pra Espanha. Respondeu o danado.

Valtinho era uma figura única.

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