Especial

Amiga do cão, de mim não!

Durante a manhã, num ônibus não muito lotado, sentido Fátima-Dionisío Torres, muita gente está conversando. Apesar do burburinho, é possível distinguir determinados diálogos:

- Mulher, a fulana foi demitida ontem, a bichinha saiu foi chorando.
- Eu vi, mulher.

Comentários banais e corriqueiros, pra lá e pra cá. O povo conversando só pra passar o tempo. Pra se distrair e evitar o “silencio embaraçoso”, cujo qual desperta tamanha inquietação nas pessoas que elas acabam por falar de qualquer coisa. Preste bem atenção e você verá que tem gente falando de tudo. Fofocas, cochichos, paquerinhas e reclamações. Uma vez ou outra escuto alguém dizer o seguinte: “esse ônibus roda é muito”. Ô! E se roda! Parece um pião. Anda tanto que você pode até escrever num blog tudo o que puder vê dentro de um desses, pois vê de tudo. Tem até gente que desabafa: “eu tô passando necessidades (lágrimas)”. Tem aquele povo que vai pras faculdades particulares das nossas áreas nobres, sim, tem um monte deles. Eles estão indo rumo às “F’s”: Fic, Fanor, Faculdade Lourenço Filho, Fasete (é um Fá maior extremamente agudo), tem ainda a Ficacomigo (aonde os alunos vão pra namorar) e também uma tal de Fachada (aquela em que o garotão pega o dinheiro que o pobre do pai, funcionário público aposentado, dá todo mês, crente que o infeliz do boy vai virar gente, mas na verdade o maldito gasta tudo nas baladas). Se não me engano, já vi o outdoor de uma faculdade chamada Ateneu, olha ai! E outra chamada pêra, UVA, maçã, salada mista.

Certa vez, num desses maravilhosos trajetos que faço, vi que duas garotas, na casa dos 25-30, estavam conversando dentro do ônibus. Pegaram a mesma linha que eu pra chegar à UVA, a fim de assistirem mais uma aula do curso seqüencial que faziam. Uma delas, uma loirinha meio avuada e metida a gostosa, disse à amiga ao seu lado: mulher, tu já fez a tua "conserqüência"? Putz! Olhe o que a elementa fez. “Se deu mal”, pois o que se seguiu depois desta hedionda “questã” foi somente um show de atrocidades:

- Que diab’é conseRqüência, mulher?
- ConseRqüência, menina, que o professor pediu.
- “ConseRRRRqüência?! É CONSEQÜÊNCIA doida!

Nesta hora, a infeliz se contorceu toda como se um eminente colapso provocado por uma daquelas fatais cólicas menstruais, cujas quais as mulheres anunciam como sendo devastadoras, tivesse se estabelecido em suas entranhas, indo até os confins de sua tola alma. Ficou vermelha, acabrunhada e nervosa Tremia mais que uma vara verde de bambu. Sim, aquela metida tremia! E como a galgar passos rumo à fuga, feito um animal que se debate por entre os famintos golpes de um leão poderoso, ingenuamente aquela crionça fez cama na fama de burralda. Trouxe a corda ao próprio pescoço em favor de seu carrasco, que não a poupou, e inconseRqüente soltou mais algumas pérolas em alto e bom tom:

- Ah! Mulher, eu falei rápido só pra te testar.
- É, ta certo. Óia, óia. Falou foi errado e ta com queixo.

[breve pausa]

- É, mulher, agente às vezes fala errado e nem se toca, né?
- Eita! Tu num disse que falou rápido pra ver se eu te corrigia? Nam!
- Tsch, é mulher, vamo deixar essa história pra lá, bóra?
- Ta certo... (disse a maldita, com ar de desdém, a olhar de soslaio a pobre amiga)

Pois é, sua confissão foi o arremate rumo à derrota. Mais vermelha que o cão chupando limão, não é nem manga, a infeliz desconcertada e vencida calou-se. Porém, minha mente sagaz sustentava mudamente os espasmos da gargalhada em função do absurdo que foi aquela cena. E justamente por se tratar de um absurdo provocou naqueles passageiros matutinos um extremo silêncio oriundo de uma terrível sensação que é mistura feita entre o trágico e o cômico. O que de fato amenizou os efeitos de sua tragédia. Vai ser braba assim lá na casa do caramba. Nunca mais pude esquecer tal cena. Aquela voz de quenga, anasalada e roca, permanece ecoando muitas vezes dentro da minha cabeça. Parece assombração. E aquela outra é amiga do cão! De mim não!

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